Com previsão de conclusão em 2026, o corredor bioceânico promete transformar a logística sul-americana. Mas a ausência de controles eficazes pode abrir caminho ao crime organizado. 

O sonho da integração sul-americana está prestes a se materializar. O corredor rodoviário bioceânico, em construção e com conclusão prevista para 2026, ligará o Centro-Oeste brasileiro aos portos do Norte do Chile, cruzando Paraguai e Argentina. A expectativa é clara: reduzir em até dez dias o tempo de transporte entre o interior do Brasil e mercados estratégicos do eixo Ásia-Pacífico, especialmente China, Coreia do Sul e Japão. 

Mas todo progresso carrega também desafios silenciosos. A mesma rota que promete agilidade ao comércio legal pode se tornar uma artéria para o escoamento de cocaína produzida na Bolívia e em outros países andinos, destinada a mercados consumidores na Oceania e Ásia. Com o corredor, essas substâncias podem cruzar o continente até os portos chilenos, aproveitando-se de brechas institucionais, fronteiras frágeis e fiscalização ineficaz.

O risco não é abstrato. Hoje, o Brasil já enfrenta um contexto de criminalidade transnacional altamente articulada. Facções brasileiras atuam em rede com grupos do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia. O corredor cria, involuntariamente, uma nova rota terrestre para o narcotráfico – e o crime organizado, sempre mais rápido que o Estado, já está atento a essa possibilidade. 

Um ponto crítico está no controle aduaneiro e alfandegário, sobretudo no Paraguai. Caminhões com pouca inspeção rigorosa têm potencial de atravessar o país, alcançar o Chile ou até retornar ao Brasil sem que suas cargas tenham sido “nacionalizadas” ou inspecionadas. Isso dificulta o rastreamento de entorpecentes, facilita o contrabando e mina os sistemas de vigilância logística, fundamentais para a segurança das rotas comerciais.

Nenhuma nova rota é neutra. O desenvolvimento sustentável exige governança real, inteligência policial e cooperação internacional. O corredor, se mal gerido, pode fortalecer as redes criminosas, em vez de gerar prosperidade. 

Mas há um elemento ainda mais decisivo: o fator humano. O narcotráfico se enraíza onde há ausência do Estado e vulnerabilidade social. Pequenas cidades ao longo da rota, muitas vezes carentes de oportunidades, podem se tornar zonas de aliciamento e recrutamento, onde jovens são transformados em mulas, batedores e olheiros do crime. 

Se queremos que o corredor bioceânico seja um vetor de futuro, e não um canal para o colapso social, precisamos garantir presença estatal plena, com escolas de qualidade, o digital, geração de empregos, infraestrutura e inclusão produtiva, especialmente para a juventude rural.

O corredor pode, sim, ser a locomotiva de um novo tempo. Mas ele precisa de trilhos sólidos de legalidade, controle e justiça social. É dever dos gestores, das autoridades e da sociedade civil garantir que essa obra monumental não se transforme em um corredor do crime.