MERCADO

Sete em dez empresas têm programas de diversidade

Entre as empresas que mais investiram em Minas, inclusão da mulher é principal pauta trabalhada

 

Erica Schwambach, hoje com 36 anos, começou a trabalhar na Fiat, em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, ainda como trainee. ados 14 anos daquela primeira oportunidade, ela ocupa a posição de vice-presidente de desenvolvimento de negócios e estratégia corporativa da Stellantis (grupo que inclui a montadora) para a América do Sul. 

A escalada até um dos cargos mais altos venceu paradigmas, como quando foi promovida durante a gravidez, em um país onde 48% das mulheres que tiram licença-maternidade são demitidas até dois anos após o retorno às atividades, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas. A trajetória da Erica exemplifica ganhos da aposta em diversidade no mundo corporativo. 

Sete a cada dez empresas brasileiras (73,34%) têm programas de Diversidade e Inclusão (DEI) formalizados, segundo estudo feito pela consultoria TeamHub. A pesquisa mostrou ainda que 85% dos líderes reconhecem a política de DEI como um caminho para inovação e sucesso. “Essas empresas que apostam em diversidade relatam ganhos muito claros: mais inovação, mais engajamento das equipes, uma cultura mais saudável e, principalmente, mais conexão com os públicos diversos com quem elas se relacionam”, explica a CEO da TeamHub e especialista em gestão, Tatiana Santarelli.

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A principal pauta trabalhada dentro das organizações é a de gênero, segundo pesquisa da consultoria Travessia. Um cenário que coincide com o apurado entre as empresas que mais investiram em Minas Gerais. A reportagem questionou as 20 corporações públicas e privadas que compõem o ranking do governo do Estado como as que mais destinaram recursos em estratégias diversas em 2024, como ampliação da capacidade ou uso de novas tecnologias, sobre as políticas de diversidade e inclusão. O objetivo era entender como as companhias que estão em expansão no Estado trabalham a diversidade.

Cinco aceitaram abrir as estratégias adotadas na área: Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Fiat, Boticário, Isa Energia Brasil e Vale. Todas elas citaram como focos principais a equidade de gênero, a inclusão de mais trabalhadores da comunidade LGBTQIAPN+ e de pessoas com deficiência, além da inclusão racial. 

Na Fiat, existe uma estrutura focada em práticas de diversidade desde 2022. Desde então, o grupo registrou um crescimento de 9% de mulheres na alta liderança. A Erica foi uma das profissionais que acompanhou esse avanço. Por alguns anos ela ou por áreas majoritariamente masculinas. Foi assim, por exemplo, quando foi promovida para o setor de engenharia do grupo. “Houve um estranhamento. Não foi tão rápida a adaptação como havia sido em compras”, relata.

Quando engravidou do primeiro filho, veio o acolhimento. Ela havia acabado de chegar na área de desenvolvimento de negócios, onde atua até hoje. “Deu um frio na barriga, porque aceitei o novo desafio sem saber da gravidez. Era uma área desconhecida, o que me deixou ansiosa. Não sabia como contar”, lembra. Apesar do receio, a conversa com a líder permitiu que Érica se sentisse segura. “Ela me disse que não existe momento certo para engravidar. Que sempre haverá algo que ‘não encaixa’, e que ser mãe deveria ser minha prioridade”, conta.

Essa visão da liderança dela, que deveria ser regra, ainda não é, como explica a coordenadora dos cursos de pós-graduação em Diversidade e Inclusão da PUC Minas e consultora do tema, Letícia Alves Lins: “Para se pensar em equidade de gênero, é preciso preparar o ambiente. Porque muitas mulheres não ficam em seus empregos? Porque o ambiente não as acolhe. O maior problema que temos é o degrau quebrado, que mantém essas mulheres na base em função da falta desse degrau, ou seja, das oportunidades. Gênero é a pauta mais debatida nas empresas, mas quando vemos dados tem defasagem salarial de 22% entre homens e mulheres, o que agrava quando são negras”, afirma, citando pesquisa feita pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) neste ano. 

Uma dificuldade posta e assumida pelas companhias. “Temos o desafio de aumentar a participação de mulheres em cargos técnicos. No Brasil, dados de 2023 indicam que a participação feminina no setor é de aproximadamente 20% e a atuação se concentra, na maior parte, em posições istrativas, cerca de 66%. A companhia procura aprimorar suas ações para inserir mulheres também em posições em cargos técnicos, em parceria com o Senai”, diz a Isa Energia Brasil em nota. Em três anos, a empresa teve aumento de 3% de mulheres nos cargos de liderança.

Desafios

Após o governo norte-americano encerrar programas com foco em diversidade, várias empresas optaram por abandonar a pauta. No Brasil, 22% das organizações reduziram ou cancelaram investimentos em diversidade no último ano, conforme pesquisa da Travessia. Segundo a sócia-fundadora da consultoria, Mariana Deperon, além da influência internacional, o baixo engajamento de líderes e a necessidade de corte de custos também explicam o retrocesso na pauta. “O desafio está em sustentar essa agenda com coerência, continuidade e compromisso, mesmo quando o cenário externo é adverso. E isso só é possível quando a diversidade é vista como um valor institucional e não como uma ação de ocasião”, diz.

Quando o mercado começou a sinalizar recuo de investimentos em diversidade, algumas empresas reagiram. A C&A chegou a se manifestar publicamente à favor da pauta. “A C&A também mantém a agenda de diversidade como um valor estratégico e acredita que um posicionamento claro é parte essencial da sua identidade”, disse em nota enviada à reportagem. Segundo a companhia, alguns resultados dessa aposta já são visíveis, como 66% das posições de liderança sendo ocupadas por mulheres.