RESPEITO

Liberdade de ‘ser quem é’ garante equipes engajadas

Respeito à orientação sexual possibilita contratação e retenção de talentos

 

Davilu Oliveira, 42, ou décadas tentando se definir. Foi depois de terapia, estudos, dúvidas e angústias que ela finalmente se reconheceu como uma pessoa não binária. Mas, ser alguém que se identifica com todos os gêneros sem se encaixar na binaridade de ser homem ou mulher em uma sociedade homofóbica não veio sem um preço. Nos últimos anos, o que ela tenta em todos os ambientes, incluindo o corporativo, é apenas liberdade e segurança para ser quem é. Desejo idêntico ao de Aleph Brito, 25, que, como um homem trans, enfrenta batalhas no mesmo sentido. Além dessas dificuldades, o que conecta os dois é que ambos trabalham na Santa Casa de Belo Horizonte e levam pluralidade ao hospital. Por lá, a busca pela diversidade foi institucionalizada.

“Eu sempre fui gay, mas não me identificava nem como homem, nem como mulher. Eu me olhava no espelho e pensava: ‘o que eu sou?’. Veio uma crise de pânico. Até que percebi que não me encaixo no padrão da sociedade e me senti vivo”, conta.

Quando chegou para trabalhar na Santa Casa, Davilu pensou que precisaria se anular, como fez em outros contextos. Um caminho bastante comum entre pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, queer, intersexuais, assexuais e pansexuais (LGBTQIAPN) no mercado de trabalho. Pesquisa do Linkedin mostrou que 48% dos trabalhadores brasileiros LGBTQIAPN+ compartilharam abertamente a orientação sexual e a identidade de gênero no emprego. As demais optaram por contar apenas para um grupo mais próximo ou não revelar.

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A explicação está no mesmo estudo e a pelo medo de a orientação sexual influenciar negativamente no crescimento dentro da empresa ou de sofrer represálias por parte dos colegas. O receio faz sentido em um país onde a cada 30 horas, uma pessoa LBTQIAPN+ é morta de forma violenta, segundo a Organização Grupo Gay da Bahia (GGB).

Mas, depois de ter enfrentado o preconceito dentro da própria família pela liberdade de ser quem é, não dava para regredir. Ela criou coragem de buscar a liderança para dizer que não era Davi, como a chamavam lá, e sim Davilu. O resultado foi animador: “Me disseram que eu poderia vir como eu me sentisse bem, já que na área onde atuo a vestimenta é livre para todo mundo”, conta.

Agora, Davilu ostenta o nome social no crachá e participa do comitê de diversidade para ajudar a tornar o ambiente mais seguro para pessoas que vivem violências parecidas, como o Aleph. Ele chegou a mudar de faculdade por não ar ar por tantos preconceitos. “Eu não podia o nome que me identifico nas provas, um direito muito básico. As pessoas olhavam julgando”, lembra. Na época, ele cursava Ciências Contábeis presencialmente e ou para uma instituição onde podia estudar online. Depois, ou a estudar Gestão em Serviços de Saúde, na UFMG, onde se sentiu mais acolhido. Uma sensação que não conhecia no mercado de trabalho.

Conquista: após demissão e agressão, Aleph comemora  sucesso na carreira - Fred Magno / O TEMPOConquista: após demissão e agressão, Aleph comemora sucesso na carreira - Fred Magno / O TEMPO

Quando ainda era estagiário, Aleph chegou a ser demitido porque uma cliente não concordou em ser atendida por alguém que, nas palavras dela, “não dava para saber se era menino ou menina”. Em outro estágio, ele levou um soco na cabeça enquanto esperava para usar o banheiro. “Eu ei a ter medo de andar no corredor e ser agredido. Foi uma sensação terrível”, lembra. Agora, Aleph sente um alívio de saber que, como assistente istrativo em um lugar que tem o respeito como política, pode focar no trabalho. “É incrível ser visto pelas minhas entregas e não pelo o que sou, enquanto muitas pessoas trans são marginalizadas e forçadas a se prostituir para sobreviver”, diz.

Realidade: respeito às diferenças é desafio para área de saúde

Todo mundo adoece um dia. Sendo assim, as instituições de saúde são os locais por onde am todos os tipos de diversidade. Pelo menos do lado dos assistidos, o que nem sempre é replicado entre a equipe de profissionais de saúde. Pesquisa da Women in Global Health, mostrou que, no mundo, 70% dos profissionais de saúde são mulheres, mas só 25% dos cargos de liderança sênior são ocupados por elas. Uma amostra da pouca equidade do setor. Para qualificar o atendimento e torná-lo de fato universal, como preconiza o direito, a Santa Casa tem apostado em letramento.

Iniciado em 2021, o primeiro objetivo do programa de diversidade e inclusão do hospital foi o de criar um ambiente propício para tornar as equipes mais diversas. Um esforço que tem reflexos diretos na assistência prestada.

“A diversidade está em todos os espaços. Na medida em que capacitamos nossa equipe, estamos melhorando o trato com os pacientes e também nos demais locais por onde eles transitam”, explica a coordenadora de Governança Corporativa do hospital, Izabela Freitas.

Por causa desses esforços, a Santa Casa arcou com capacitação em libras para funcionários de diferentes áreas. Como resultado, pessoas surdas ou mudas conseguem comunicar suas necessidades. A contratação de pessoas LGBTQIAPN+ e negras, por exemplo, também gera capacidade de acolhimento desprovido de preconceitos para esses públicos. “Temos capacitado as equipes para que haja respeito e acolhimento para diferentes grupos. Já é um fato que não aceitamos discriminação e temos regras de consequências aplicadas em quem não as cumprir”, diz Izabela.

Gordofobia impacta até nos salários

Para falar em inclusão dentro das empresas é preciso estender o olhar para as diversas formas de preconceito. Até mesmo o peso do profissional tem sido agente limitador para carreiras. Pesquisa da Catho mostrou que 65% dos executivos itiram preferir não contratar pessoas gordas. O levantamento também mostrou que cada ponto do Índice de Massa Corporal (IMC) equivale a perda de R$ 92 por mês.

“A gordofobia se constrói e se mantém a partir de estereótipos também no trabalho. Ao ver uma pessoa gorda, as pessoas associam com a ideia de lentidão, desleixo e incompetência”, explica a pesquisadora Dayana Barboza Carneiro, responsável pelo estudo “Gordofobia e mercado de trabalho no contexto brasileiro”. 

Resultados preliminares da pesquisa dela indicam que 48% das pessoas entrevistadas já foram vítimas de gordofobia no trabalho, e 59,2% delas dizem não haver ambiente seguro no emprego para denunciar, o que mostra a invisibilidade do problema. “Enquanto hoje nós temos com mais facilidade a percepção de quando acontece racismo ou machismo, a gordofobia é colocada em lugar de vitimismo”, diz.